Texto: Raul Campos Carrasco
Fotos: Autor e ArquivoA MELHOR TÉCNICA PARA PESCAR DE BARCO
A rainha do Atlântico Norte não perdoa nenhum erro; ou se têm os detalhes controlados ou não haverá foto! As grandes corvinas atingiram esse tamanho porque não se deixaram enganar com facilidade, por serem muito desconfiadas e por, se tivermos a felicidade de alguma se ferrar no nosso anzol, viveram em locais que dificultam sempre a sua captura. Esta é sem dúvida uma pesca para pescadores experientes e materiais de máxima qualidade.
Hoje vou relatar uma jornada de pesca algo especial, pela companhia, mas também porque irei entrar nos detalhes daquela que acho ser a melhor técnica para pescar as grandes corvinas: a pesca ao fundo com bóia. Gosto muito de planificar as minhas pescas, controlo as tabelas de marés para ter uma noção das alturas em que o peixe estará mais activo, estou dependente do vento, da ondulação, das capturas feitas por outros pescadores e, quando encontro as condições de que gosto não penso duas vezes, vou para o mar em busca de emoções fortes. Em traços gerais… Gosto muito de planificar as minhas pescas, controlo as tabelas de marés para ter uma noção das alturas em que o peixe estará mais activo, estou dependente do vento, da ondulação, das capturas feitas por outros pescadores e, quando encontro as condições de que gosto não penso duas vezes, vou para o mar em busca de emoções fortes. Em traços gerais… Tenho um barco de sete metros chamado Cinitina, que está no porto de Mazagón, em Huelva, a zona onde costumo pescar é uma das melhores de Espanha para as corvinas.
As corvinas nesta zona do Atlântico Norte pescam-se praticamente durante todo o ano, mas é nos meses que vão de abril a dezembro que estão reunidas as condições ideais, em profundidades que vão desde a borda de água até aos 50 metros de fundo. Os maiores exemplares encontram-se nas zonas de refúgio mais fácil, destroços (barcos afundados), cabeços de pedra, locais perfeitos para as encontrarmos. Quando falo de grandes corvinas refiro-me a peixes que vão de 15 a 50 quilos, inclusive maiores, sendo frequente as capturas de exemplares a rondar os 30 quilos.
A dieta básica nesta zona do Atlântico é muito semelhante à que têm em Portugal, constituída por chocos, polvos; cavalas e tainhas. As técnicas de pesca mais usadas na pesca destes grandes peixes nesta zona em particular é a pesca ao corrico com profundizador, seja com isco vivo ou com amostras, pesca ao fundo com isco vivo e o jigging mas, de todas estas técnicas, a pesca mais eficaz é ao fundo com bóia. Uso três conjuntos ligeiros para estes grandes exemplares, mas que, no entanto são muito mais potentes do que aquilo que aparentam. Gosto de canas compridas, de 2,7 metros, com uma acção de 30 libras e uma acção de ponta semi-rápida: a sua flexibilidade será um factor fundamental para combater estes verdadeiros monstros, amortizarão as suas investidas e permitirão que se detectem as suas abocanhadas à isca. Para as grandes corvinas uso a Sakura Shinjin long range SIS 822 XH+, uma cana ligeira, extremamente potente e, sobretudo, construída especificamente para mar. Os carretos devem ter uma embraiagem potente, de pelo menos 20 kg, de progressão infinita para não forçar as linhas. Pessoalmente uso carretos de tamanho 8000, 10000 e 20000 da melhor qualidade possível.
Tem de se saber onde colocar o isco e por isso deixamos a cavala a um metro do fundo e o choco tem de ser levantado três metros.
Para o carreto uso sempre multifilamento. Como todo o material é de qualidade excepcional, uso um 0.28mm, com uma resistência de 55 libras; o multifilamento permite que a linha corte a aguagem como se fosse manteiga e faça com que à chumbada se mantenha mais “fixe” em acção de pesca, já que derivará menos ao sabor da corrente, levantando também menos suspeitas às desconfiadas corvinas uma vez que fará menos turbulência, facilmente detectada por possíveis capturas. Outra particularidade destas linhas é que muda de cor a cada metro, o que permite que se saiba exactamente a que profundidade se fez uma captura, aspecto fundamental se tivermos em conta que o peixe tem sempre tendência para fugir desalmadamente para a pedra ou para o destroço em que habitualmente se refugia, a seguir ao multifilamento uso uma ponta de oito ou nove metros de fluorocarbono Seaguar FXR de O.62 mm, uma opção para tornar a parte final da montagem “invisível’: Se não quisermos usar multifilamento devemos optar por um monofilamento de, pelo menos (!), O.60 mm, como veremos mais adiante, que nos permitirá usar a bóia a correr, forma mais cómoda de abordar esta técnica. O ideal será usar um destorcedor duplo de rolamentos (de três vias) para evitar torções na linha; a minha escolha pessoal recai sobre o Sasame 210E 02. Numa das argolas ataremos a linha do carreto, no lado oposto a chumbada (sempre munida de “fusível:’) e na argola transversal colocamos o estralho propriamente dito.
Faço sempre um estralho muito comprido, com mais ou menos duas braças de maneira a que a isca viva tenha liberdade de movimentos e um raio de acção maior; este estralho é também feito no mesmo fluorocarbono da ponta, até no diâmetro pois, pese o facto de a corvina ter dentes, os mesmos não são cortantes. É aconselhável que a chumbada seja redonda, é mais hidrodinâmica e prende menos no fundo. O peso convém que seja o mais ligeiro que conseguirmos usar de maneira a que a isca tenha mais naturalidade. Falta apenas a bóia, que pode ser feita com garrafas vazias, piões de cortiça gigantes, etc., qualquer coisa que flutue; pessoalmente uso bóias de cortiça pintadas de amarelo para que me facilitem a sua localização.
Como se faz esta pesca?
A técnica de pesca ao fundo com bóia consiste em levantar a chumbada do fundo mais ou menos um metro e unir à linha do carreto uma bóia de maneira a manter o isco suspenso à distância do fundo que quisermos. Apesar do que se pensa, as vantagens são muitas, ainda que a razão principal que motiva os pescadores a usarem esta técnica seja afastar o isco do barco. A bóia sobe e desce suavemente ao ritmo da ondulação, o que dará naturalidade ao isco e evitará que morra mais rapidamente; uma cana presa no suporte faz com que a iscada esteja sucessivamente a levar esticões, o que a matará muito antes do que se pescássemos com bóia. A principal razão porque uso esta técnica é para que o peixe abocanhe o isco sem se aperceber de nada mais, uma vez que a bóia afunda sem muita resistência o que leva o peixe a engolir com facilidade; quando não se usa bóia a resistência da cana fará com que à mínima desconfiança cuspam o isco.
Bóia de correr ou fixa?
Há dois métodos para usar a bóia: a correr ou fixa. Quando se pesca com linha multifilar no carreto somos quase que obrigados a pescar com a bóia fixa já que a união com a ponta de fluorocarbono impede que se pesque com a bóia a correr. Já com o monofilamento poderemos optar pelos dois métodos. Quando usamos a bóia fixa deixamos apenas cair simplesmente a chumbada para o fundo; quando esta lá chegar recolhe-se toda a linha que sobrar, tocando com a ponteira da cana na superfície da água; depois é só unir a bóia à linha do carreto à altura desejada por meio de uma alça. Quando temos um toque de uma corvina grande a bóia afundará e só a voltamos a ver passados uns 15 minutos, bastando soltar a bóia da alça que fizemos na madre e se a bóia tiver um sistema de clip ou engate rápido melhor; depois é só recuperar linha. Para usar a bóia de correr usamos um clip especial; este tem uma pérola perfurada incorporada para que a linha do carreto corra livremente pelo meio da bóia.
A operação é a mesma, deixa-se cair a chumbada, o clip unido à bóia fará com que a linha do carreto corra até ao fundo e logo que o atinja ajusta-se a profundidade recolhendo o resto da linha até que a ponteira toque na água; a diferença está em que, em vez usarmos um chicote, usamos um nó de correr que servirá de travamento para a bóia. A grande vantagem desta técnica é que nunca é preciso tirar a bóia, já que o nó de correr entra pelo carreto dentro deixando a linha entrar livremente, até chegar ao clip.
Faltam agora os iscos. Os mais usados por aqui são o choco e a cavala, pois são muito abundantes nestas águas, daí que as corvinas tenham muita querença por eles, mas isso não invalida que tenham de ser bem apresentados caso contrário não haverá toques! Muitas vezes os peixes estão mordidos mas corvinas “nem vê-las’: …
A pescar a 50 metros de fundo o peixe tem a bexiga-natatória de fora o que faz com que não esteja tão “fresco” para lutar.
A jornada de pesca
Nesta saída fui com o meu amigo António Machado, já lhe devia uma. Empenhei-me ao máximo para que ele aproveitasse ao máximo, pois já tínhamos adiado esta saída muitas vezes. O Machado ainda vinha de longe e não queria que voltasse para casa de mãos a abanar, ou pior, que tivesse um dia de enjoo. Esperei até ao final de outubro para fazermos esta pesca, a qual não esquecerá tão cedo. Na zona de Huelva esperamos as calmarias de setembro com águas de maio que são dias com temperaturas muito agradáveis e a ausência de vento faz com que seja uma delícia estar no mar; no verão (sobretudo julho e agosto) há sempre mais vento, mas, as calmarias que referimos estenderam-se até princípios de novembro.
Quando tivemos tudo pronto para arrancar começamos a focar a nossa atenção em apanhar isco vivo, neste caso cavalas. Neste local não é difícil encontrá-las, mas sim que ataquem os anzóis com as plumas. A ideia inicial era pescar mais encostados a terra para tentar umas corvinas mais “certinhas” e assegurar a pesca e depois, nas horas de maior actividade irmos para zonas mais fundas e tentar as maiores. Como é costume, as cavalas “não estavam muito pelos ajustes” e eu nunca vou muito seguro se não levar pelo menos 15 exemplares vivos para iscar; mas se já vou com a ideia de tentar também as pequenas então tenho de apanhar muitas mais.
Procurar e capturar
Era certinho que as cavalas andavam mais fundas e quando chegámos aos 30 metros começaram a picar. Para que os pescadores portugueses percebem, esta costa é ainda mais de limites que o AIgarve e para termos 30 metros de fundo temos de afastar-nos oito milhas da costa. A pouca vontade de comer das cavalas fizeram com que mudássemos os planos já que, navegadas oito milhas, estávamos muito mais perto do pesqueiro das corvinas grandes do que das pequenas. Neste caso o pesqueiro é o escombro de um grande navio e há que fundear o barco no sítio certo, pois o peixe pode estar apenas no lado oposto ao que estamos o que faz com que, por exemplo, um barco possa fazer muitas capturas e o outro nenhuma. Depois de algumas tentativas ficámos bem ancorados e colocámos três canas a pescar; não havia muita corrente e o dia estava um espectáculo, só faltava mesmo apanhar um “monstro” para ter um dia em beleza com o meu amigo. Uma das vantagens desta pesca é que por vezes basta um exemplar para que o dia já esteja ganho… às vezes apenas com um ataque brutal! A manhã até foi entretida pois demos com passarada e fizemos uns lírios pequenos, serras e cavalas … o António não tem asco a nada que tenha escamas e alinha nestas coisas e até passámos um bom bocado a pescar fundeados aos lírios que nos rodearam por completo o barco. Passado um bocado uma das bóias afunda diante de nós e o azarado do bicho foi logo à cana que tinha com o Stella 20000! Quando levo convidados no barco procedo sempre da mesma maneira, isto é, aguento sempre eu a primeira investida e só depois passo a cana ao convidado; faço isto porque nesta zona temos de ter um cuidado especial pois senão a corvina dirige-se aos escombros, e não se esqueçam que os cascos do navio naufragado parecem lâminas … ao mínimo toque temos uma ruptura.
Tudo ou nada!
Soube logo que era um monstro marinho, a bóia desapareceu a uma velocidade vertiginosa e rapidamente iniciou a descida! Graças ao conhecimento que tenho do pesqueiro sei sempre onde me encontro e para onde se dirige o peixe; o momento crítico vem a seguir: ou a aguento ou perco-a! O material que uso é muito bom e é uma delícia trabalhar com ele, a parte mais difícil estava feita. Uma vez parada a corvina comecei a levá-la para onde queria sem que seja necessário forçar muito mas, se houvesse azar, o Machado estava encarregado de evitar que a linha não se embrulhasse com as outras duas canas e assegura que se mantinham a pescar. De seguida a corvina entendeu que já não conseguia ir para o barco, ainda tentou várias vezes, mas sem convicção. Após 15 minutos comecei a ver a bóia amarela e começou outra fase importante desta pesca: tirar a bóia.
Não temos de precipitar-nos pois é uma coisa que se faz facilmente, o António desenrascou-se bem e não houve mais corridas … estava na altura de começar a bombeá-la para cima. Agora é só a cana de 2,7 metros fazer o seu trabalho e fazer com que a corvina se canse aos poucos e suba para conhecer o meu barco. Só durou mais 10 minutos até largar o fundo e a subida como era de esperar foi rápida; estamos a pescar a 50 metros de fundo e o peixe tem a bexiga-natatória de fora o que faz com que não esteja tão “fresca” para lutar. Para mim o momento mais bonito desta pesca é quando vemos a corvina a sair; o seu prateado hipnotiza-nos e neste caso tivemos a sorte de que saiu mesmo a dois metros da borda de estibordo e por isso vimos tudo acontecer com detalhe, mesmo na nossa cara. Eu sei o que ia ver, pois já o vi muitas vezes, mas para o Machado era a primeira vez e não parava de dizer… “Tou-me a passar! “Tou-me a passar!”; parecia uma criança no Natal, 32 quilos no porão do barco e os dois abraçados como dois miúdos. Tivemos mais algumas picadas mas não foram corvinas; um grande safio que devolvemos à água e um ou outro lírio.
À deriva …
Vendo que a hora de maior actividade tinha passado tentei fazer com que esta jornada fosse completa e propus ao António irmos apanhar umas corvinas mais pequenas para que também ele tivesse oportunidade de tirar algum peixe interessante. Com apenas mais duas horas de luz pela frente, chegámos ao novo pesqueiro por volta das 19 horas e agora pescaríamos à deriva, a minha pesca favorita.
Na primeira passagem tivemos um toque e o meu amigo apanhou uma corvina de mais ou menos quatro quilos e de seguida mais dois exemplares um bocadinho maiores, estava a ser uma jornada perfeita, com um grande exemplar e vários mais pequenos que nos entretiveram bastante … mas a jornada ainda viria a melhorar. Quando pensávamos vir embora tivemos uma picada que prometia; estávamos a pescar a pouca profundidade e aqui as corvinas já não têm o problema da bexiga-natatória, prestando-se a grandes combates! O Machado olhava para mim e dizia “esta é boa’; conheço bem este pesqueiro, sabia o que tinha ferrado e, pese o facto de não ser um monstro, a esta profundidade ia dar-me “água pela barba’: Depois de um belo bocado lá saiu uma bela corvina com cerca de 10 quilos que lhe soube a glória e que para mim saldava as nossas contas. Não me canso de dizer que somos privilegiados por viver neste pedaço de costa e não termos de fazer enormes viagens para apanhar colossos como estes.