TEXTO e FOTOS: Gibelino Encarnação
Introdução
A pesca com zagaia, internacionalmente denominada de “jigging” ou “vertical jigging”, desde há muito que é praticada na pesca lúdica, tendo em vista especialmente algumas espécies, existindo inclusivamente, nalguns países do norte da Europa, provas de pesca desportiva destinadas a esta modalidade.
Em Portugal, a pesca lúdica com zagaia esteve adormecida durante muitos anos, sendo praticada por um número reduzido significativo de adeptos desta modalidade, em especial, nos Açores e no Algarve, sendo os pargos e as corvinas as espécies mais perseguidas.
Nos últimos anos temos vindo a assistir a um despertar de interesse por esta modalidade, o que é reflectido também pelo crescente número de marcas de produtos de pesca que enchem as prateleiras das lojas com variadíssimos modelos, cores e feitios de zagaias, o que, aliás, segue uma tendência internacional, onde os praticantes japoneses têm aumentado exponencialmente.
Os reconhecidos resultados obtidos com a zagaia em determinadas circunstâncias de pesca, bem como a divulgação em revistas da especialidade de grandes sucessos na chamada “pesca extrema” praticada em águas exóticas por esse mundo fora, em que a zagaia é protagonista na captura de grandes exemplares de xaréus, diabars, lírios, etc., tem contribuído para o crescente interesse desta modalidade e para a curiosidade de muitos a experimentarem nas águas portuguesas com resultados variados.
Contudo, com maior ou menor intensidade, a pesca à zagaia desde há muito que é praticada nos mares do Algarve, desde Vila Real de Santo António até Sagres, onde as corvinas e os pargos são os principais protagonistas desta modalidade. Grandes pioneiros da sua época foram o Eng. José Francisco Pereira da Assunção e o Eng. Bento dos Santos Nascimento que viveram uma verdadeira epopeia pescando pargos à zagaia nos já longínquos anos 50, primeiro no seu pequeno bote “Pinochio” e mais tarde no “Anequim” que chegou a trazer para terra mais de quinhentos quilos de pargos, autênticos recordes daquele tempo e que hoje são inimagináveis, como o primeiro tão bem relata no seu livro “A pesca desportiva aos pargos na «Pedra do Barril» – Tavira”. Eram tempos de grandes pescarias de pargos legítimos, capatões e dentões e também de algumas corvinas, com pesos de respeito e retirados do seu elemento natural com os apetrechos de então: uma vara inteiriça de bambu reconstruído, um carreto dos que existiam na altura, nylon de 0, 60 mm e uma zagaia de construção caseira, feita de uma mistura de chumbo e estanho, com um anzol de boa dimensão embutido.
Tanto naquele tempo já distante como hoje, a pesca encerra sempre a mesma dificuldade, o obstáculo mais difícil de superar para qualquer pescador: a localização do peixe que se procura. Não se pense que aquele tempo de captura de dezenas de grandes exemplares traduzia alguma facilidade nos feitos. Pelo contrário, e não obstante a maior abundância daqueles tempos, tal como hoje, as jornadas de grande sucesso têm por detrás muitos dias de incansável procura, de muita perseverança na tentativa de localizar o peixe, o que significa, irremediavelmente, muitas saídas “em branco” que apenas são compensadas no dia em que o esforço empreendido dá os seus frutos.
Costumo dizer que a pesca lúdica não encerra muitos segredos. Para fazer boas pescarias basta estar no sítio onde está o peixe e ter o aparelho (e isco) apropriado para o capturar. Pescando onde há peixe e com a arte certa, qualquer iniciado pode fazer boas capturas. Os aparelhos apropriados para cada modalidade e espécie são facilmente aprendidos nas conversas com outros pescadores mais experientes ou até nas revistas da especialidade, sendo-lhe depois introduzidas modificações pessoais que se vão experimentando, algumas conseguidas e outras refutadas, mas sempre testando inovações que são parte importante da motivação na pesca lúdica.
Já quanto à localização do peixe a coisa é mais complicada. Na verdade, o mar é muito grande e se os peixes têm barbatanas não é com certeza para estarem fixos no mesmo sítio. Ademais, os grandes exemplares que se procuram na pesca à zagaia, nomeadamente, pargos e corvinas, para além das suas migrações em razão da reprodução, têm uma natureza deambulante, procedendo amiúde a deslocações tróficas, procurando constantemente os melhores locais de alimentação que estejam associados a bons abrigos.
Por isso, o pescador que queira realizar boas capturas destas espécies tem igualmente o ónus da busca incessante dos locais onde as mesmas se encontram em cada momento.
Exemplo disso são as jornadas em que se capturaram as corvinas das fotos que acompanham este artigo e que foram antecedidas por muitos dias de mar “em branco”, até se ter conseguido localizar uma boa zona em que as corvinas estavam em grande actividade e se localizavam por debaixo de grandes cardumes de carapau pequeno que atacavam continuamente, uns e outros claramente reflectidos na sonda.
Dada a grande abundância de comedia, optámos pela utilização das zagaias em detrimento do isco vivo, o que resultou em pleno, já que as corvinas localizadas junto ao fundo, com cerca de 25 a 30 metros, rapidamente localizavam as zagaias, atirando-se de forma franca e ferrando imediatamente.
A técnica da pesca com zagaia
A melhor época para pescar corvinas à zagaia vai de Março/Abril a Setembro, mas com especial incidência nos meses seguintes à desova, altura em que a actividade de procura de alimento está no seu auge. Devemos dar preferência a dias de mar calmo e com vento fraco, pois trata-se de uma pesca embarcada que se faz à deriva (sem fundear), onde se pretende que a deslocação da embarcação seja lenta, mas que ao mesmo tempo possa percorrer distâncias mais ou menos significativas com vista a “bater terreno” na busca do peixe. As embarcações mais apropriadas são as de comprimento até sete ou oito metros, pois embarcações de maiores tamanhos, para além de serem mais difíceis de manobrar sobre as marcas em que muitas vezes pretendemos concentrar a nossa actividade, têm uma maior superfície exposta ao vento o que acarreta muitas vezes uma deriva mais rápida do que a desejável. Em dias de vento excessivo pode ser usada a chamada âncora de pára-quedas que faz o travamento da deriva, embora o ideal seja procurar os dias de vento fraco ou moderado para se conseguir a deriva desejada.
Localizado o peixe ou chegados à marca previamente escolhida ou aconselhada como tendo bom potencial, o barco deve ser posicionado a barlavento, de forma a que a deriva seja direccionada para o ponto pretendido e assim começar a acção de pesca. A zagaia deve descer livremente até ao fundo e recolhida com movimentos rápidos e amplos da cana que é elevada à vertical, para depois deixar cair a ponteira até à água, permitindo a queda da zagaia de forma livre (queda tipo “folha morta”) e recolhendo-se simultaneamente linha com o carreto lentamente. Os referidos movimentos da cana traduzem-se num movimento ascendente da zagaia interrompido com pequenas quedas de um metro ou dois, para de seguida retomar o movimento ascendente.
Quando temos o peixe localizado na sonda a uma determinada profundidade, a zagaia deve ser trabalhada numa amplitude de oito a dez metros acima e abaixo dessa zona, sendo desnecessário trazê-la até à superfície.
Há que ter uma concentração muito especial nesta modalidade, já que a ferragem deve ser imediata ao sentir do mais pequeno toque na zagaia, pois, tratando-se de um engano de metal, o peixe rapidamente se apercebe do logro e tentará de imediato cuspi-la se o anzol não estiver devidamente ferrado. De resto, a atenção deve ser redobrada, já que muitas vezes o ataque dá-se quando a zagaia está no seu movimento descendente e, consequentemente, a linha está frouxa, pelo que o toque é quase imperceptível.
Quando se localizam as corvinas em perseguição de cardumes de comedia é imprescindível fazer um bom uso da sonda e do GPS, marcando-se regularmente pontos onde o peixe foi localizado ou ferrado e tentando-se ter uma percepção muito clara do sentido de deslocação do peixe miúdo para que possamos acompanhar essa mesma deslocação com facilidade.
Em compensação, as passagens à deriva (com o motor desligado), nada prejudicam a acção de pesca, devendo-se, contudo, ter o cuidado de não fazer barulho a bordo, em especial batidas no fundo do casco com as zagaias e outros objectos ou arrastar baldes ou geleiras, etc., já que estes sons propagam-se com grande facilidade na água e afugentam os peixes que pretendemos que se mantenham debaixo ou nas imediações da nossa embarcação, pois devemos atender a que a pesca às corvinas ocorrem na maioria das vezes em fundos entre os 20 e os 30 metros.
O material
As canas a utilizar devem ser vocacionadas para este tipo de pesca, uma vez que o nosso mercado já dispõe de um bom leque de opções de canas de “jigging”, incluindo as marcas nacionais que vêm apresentando uma excelente qualidade nas canas de pesca embarcada especializada. Por norma, utilizam-se canas a rondar os 210 cm, construídas em materiais de elevada qualidade e bastante leves (a acção de pesca é sempre de cana na mão a lançar e recuperar) e com passadores de muito boa qualidade devido à sua constante utilização e ao frequente emprego de multifilamentos. A acção deve ser rápida (rígida) para permitir boas ferragens e evitar o cansaço que resulta da utilização de uma cana muito flexível em função dos movimentos que se têm que imprimir à zagaia.
Quanto a carretos, se pensamos em exemplares de pesos superiores aos 10 quilos, facilmente concluímos que devemos optar por modelos médios/grandes de marcas conceituadas, com boas embraiagens e uma capacidade de pelo menos 200 metros de linha 0, 40, a 0, 50 mm, atendendo a que, na pesca à zagaia, a primeira reacção do peixe quando se sente inesperadamente preso é bastante violenta, obrigando a utilização de material de boa resistência e uma embraiagem que cumpra bem o seu papel.
No que respeita a linhas, para quem aprecie o monofilamento, deverá procurar-se linhas de comprovada qualidade, entre o 0,40 e o 0, 50, sendo certo que a partir de determinadas profundidades é preferível o multifilamento que permite transmitir melhor os pequenos “toques” do peixe. Contudo, a utilização do multifilamento implica o uso de um terminal (chock leader), preferencialmente em fluorocarbono, o que obriga à existência de um nó de ligação das duas linhas que terá que ser suficientemente resistente (imagine-se, por exemplo, a força exercida por uma corvina de 20 quilos), o que nem sempre é fácil de concretizar para os mais inexperientes. Para quem não tem confiança na resistência do nó que emprega, é sempre preferível utilizar apenas monofilamento directamente ligado à zagaia.
A zagaia
Actualmente, o nosso mercado está inundado de zagaias de várias marcas, feitios e cores. Longe vão os tempos das zagaias construídas artesanalmente em casa. Contudo, devemos entender que, pelo menos nas marcas que maior cuidado põem na selecção do seu material, a diversidade de modelos de zagaias corresponde a outras tantas utilizações específicas. Na verdade, existem zagaias cuja forma permite uma profundização mais rápida, outras que pelo seu peso descentrado trabalham de uma forma mais irregular na descida, etc., etc.
Na pesca de corvinas à zagaia devemos centrar-nos nas zagaias com pesos entre 100 e 150 gramas, a não ser que uma maior profundidade ou uma corrente de maior intensidade nos obrigue a trabalhar com pesos superiores, mas que nunca devem ultrapassar as 180 a 200 gramas.
Devemos também preferir as zagaias que privilegiem uma forma com peso acentuadamente descentrado, de forma a permitir descidas com oscilação pronunciada (do género de folha a cair).
Quanto às cores podemos dizer que quando o peixe está em maré de comer não existem grandes preocupações. Por outro lado, quando não querem pegar, então “nem que o diabo as pinte”…
Ainda assim, temos predilecção pelas cores naturais, na imitação de sardinha, cavala, carapau ou biqueirão, com predominância dos tons de azul, verde e rosa e efeitos holográficos com reflexos vivos. Ao nascer do dia, quando o sol ainda não se levantou no horizonte, podem dar bons resultados cores mais escuras e pequenas aplicações em amarelo ou verde florescente.
Algumas das marcas que estão actualmente no mercado já comercializam as zagaias desarmadas de anzóis, o que, aliás, é de aplaudir, pois dessa forma o pescador pode armar a zagaia com os anzóis a seu gosto.
Com excepção das pequenas zagaias destinadas a robalos, sardas e outros peixes de menor porte que podem ser armadas com um anzol triplo, as zagaias destinadas às corvinas e outras espécies de grande dimensão devem ser desprovidas dos anzóis triplos, bem como das argolas de “chaveiro” que vêm de origem e que devem ser substituídas por outras de maior resistência (colocando-se uma no engate superior e outra no inferior da zagaia).
Na argola superior deve ser colocado um “assist hock”, isto é um anzol único empatado numa laçada de “dracon”. Na argola inferior deve ser colocado um único anzol com argola na haste. O tamanho dos anzóis deve situar-se no 3/0 a 5/0 ou 6/0, consoante o fabricante e o tamanho da zagaia. Se estamos a pescar em fundos de pedra forte ou com “ramos”, barcos afundados, etc., que provoquem muitos enganches da zagaia, podemos eliminar o anzol inferior e manter apenas o “assist hock”. Os anzóis triplos que acompanham muitas das zagaias comercializadas são de eliminar por completo, já que na maioria dos casos são de muito fraca qualidade (abrem ou partem com facilidade quando sujeitos a grandes cargas) e, mesmo quando são de boa qualidade, provocam muitos enganches no fundo.
Em regra, a zagaia é atada directamente à linha, mas para quem prefira pode ser colocada num destorcedor com clip que seja discreto e de boa resistência, facilitando, assim, a sua colocação e substituição.
Em suma, a pesca com zagaia é uma modalidade trabalhosa, mas muito entretida e que pode dar excelentes resultados em determinadas condições e quando o peixe se encontra bastante activo. Em último caso, pode ser sempre uma alternativa em determinados dias em que outras modalidades não têm sucesso ou quando acaba inesperadamente o isco e o peixe continua no pesqueiro.